Comentário na carta aos Gálatas (por Fábio Barbosa "não revisado")
Estudo na carta aos
Gálatas.
Essa carta foi escrita
provavelmente entre os anos 48 a 58 d.C, o autor foi Paulo. Há uma discussão
sobre se ela foi escrita antes ou depois do concílio de Atos 15, a forte
evidencia é que tenha sido escrita pouco antes do concílio, isso devido alguns
fatores: Primeiro, não há menção do concílio na carta, o que seria muito útil
nos argumentos de Paulo contra a aceitação de toda a Torá judaica. O segundo
fator é a atitude de Pedro de se afastar dos gentios, o que fora reprovada por
Paulo, seria incoerente para Pedro tomar essa atitude diante do que já fora
decidido. Outro fator que altera a data da carta é as teorias que discutem qual
região Paulo se referia quando direciona a carta aos irmãos da Galácia, temos
aqui duas teorias, visto que, nos dias de Paulo “Galácia” tinha um significado
duplo: Poderia se referir ao reino antigo de Gauls que abrangia as regiões norte do Ponto, Frígia
e Capadócia. Por outro lado, GALÁCIA(CBP 1137), poderia se referir à província
Romana da Galácia, que se estendia ao Sul, incluindo as cidades de Antioquia da
Psídia, Listra, Derbe e Icônio. Para os defensores da província da Galácia ao
Sul, essas igrejas às quais Paulo direciona a carta são as correspondentes de
sua primeira viagem que está registrada em Atos 13-14.
Wiersbe nos informa que “Vários
séculos antes do nascimento de Cristo, algumas tribos guerreiras migraram da
Gália (atual França) para a Ásia Menor e fundaram a Galácia, designação que
significa simplesmente “terra dos gauleses”. Quando os Romanos reorganizaram o
mundo antigo, anexaram a Galácia a uma província maior, que incluía várias
outras regiões, e chamaram a província toda de Galácia.
Para Wiersbe o tema chave
da epístola é: A Liberdade na Graça de Deus (5.1). (Wiersbe5, 887; CBP1134; Beacon 18; Série
Cultura Bíblica-Gálatas 50; RNChamplin,
vol4, p.433)
Ocasião e Propósito
É importante observarmos
que o teor da carta demonstra um relacionamento próximo entre Paulo e seus
leitores, eles eram seus convertidos. A questão envolvida era que alguns
estavam atacando o conceito da liberdade cristã, quando insistiam na
circuncisão para os crentes gentios e a garantia da salvação pelas obras, é contra esse movimento subversivo que
Paulo se opõe e que dá ocasião à carta.
Para aqueles que defendem
a teoria da Galácia do Sul, podemos ver em Atos que Paulo e Barnabé contaram
com a obra do Espírito Santo naquela região; O movimento de evangelização foi
iniciado por obra do Espírito Santo (At 13:2,4), os dons carismáticos também
foram manifestos: sinais e maravilhas em Icônio ( At 14.3), o dom de cura em
Listra ( At 14. 8-10; I Co 12.9); os discípulos de Antioquia da Psídia são
descritos como cheios de alegria e do Espírito Santo (At 13.52).
Para Champlin, em seu
comentário (Vol4, p.439) existia três erros concernente à lei e a Graça:
1. O legalismo. É o
ensino de que somos salvos pelas obras, observando rituais e cerimônias e os
demais preceitos da lei. A epístola aos Romanos trata deste assunto.
2. O Antinomianismo.
É o ensino que, em vista de sermos salvos pela graça, não faz diferença alguma
como vivemos e nos conduzimos. A epístola de Tiago é destinada a dar resposta a
esse tipo de erro doutrinário.
3. O galacianismo. É
o ensino que somos salvos pela graça, mas, após isso, somos guardados pela lei.
A epístola aos gálatas trata desse erro.
Nessa carta Paulo procura
trazer os Gálatas de volta ao Evangelho, e isso ele faz não só reiterando a
mensagem do evangelho, mas apontando para algo mais tangível, alguma
experiência inquestionável para afastar os Gálatas para longe dos desordeiros
(CBP 1134). Ele faz isso se concentrando na experiência com o Espírito Santo,
“é o recebimento do Espírito pelos gálatas que serve como uma prova inegável de
que eles são filhos de Deus” (3.1-5). Essa experiência do Espírito (3.2,5,14;
4.6,29; 5.5; 6.8) e o recebimento da graça estão virtualmente relacionados um
ao outro e ambos criam uma consciência de que Deus está verdadeiramente
trabalhando no crente. Ele demonstra a atividade do Espírito na vida dos
Gálatas, ele “clama: Aba, Pai” (4.6,7), esse clamor do Espírito neles cria uma
consciência filial que é um testemunho do seu lugar em Deus: É a prova primária
que diz “Você pertence”. Essa atividade do Espírito é essencial no meio do povo
de Deus, pois é o Espirito que os capacita a viver como cristãos (4.21-31;
5.16-26). Se Deus lhes concede essa solidariedade amorosa, eles então não podem
discriminar e nutrir diferenças um com o outro, sendo assim, somos todos um em
Cristo Jesus (3.28). Essa atividade sobrenatural do Espírito não é algum
aspecto incidental da adoração pentecostal. É o sinal divino autenticando nossa
experiência de Salvação. O Espírito serve como caminho para o desenvolvimento
maduro em Cristo. Serve como a chave para liberdade cristã e a libertação da
obediência servil à Lei. Gera uma atmosfera de unidade e aceitação mútua, que
proíbe discriminação e segregação no corpo de Cristo.
Podemos ter bem claros os
propósitos de Paulo nessa carta se seguirmos o conselho do CBP p.1138 de trabalhar
o estudo da carta a partir do seguinte esboço: A carta contém 03 argumentos bem
definidos: Autobiográfico, teológicos e práticos. Vamos trabalhar nessa
direção, de forma a facilitar nossa compreensão.
Introdução (1. 1- 3): (sbc,53; Wiersbe, 888; )
Na introdução da carta
podemos perceber que a relação entre Paulo e os gálatas não está muito boa, a
situação está tensa. Ele não inclui aqui sua ação de graças como o faz em
Romanos (1.8); Coríntios (I Co 1.4) e Filipenses (1.3,4). Já nos vs
introdutórios, Paulo parece reivindicar a responsabilidade que havia recebido
de Deus, a função de apóstolo, isso por que os seus opositores estavam querendo
minar a sua autoridade apostólica. Essa palavra “apóstolo” é derivada da
palavra rabínica da administração religiosa “shaliach” que sign alguém que foi
enviado ou comissionado para realizar uma tarefa específica. O comissionado era
capacitado com a mesma autoridade daquele que o enviou (CBP 1139). Tanto Jesus
quanto a igreja usaram esse termo para designar liderança espiritual. Paulo
esclarece a origem de seu apostolado respondendo aos seus opositores que não
havia recebido esse chamado de homem algum, como acontecera por exemplo com
Matias (At1-12-26). Na verdade, o apóstolo está tentando frustrar os planos de
seus opositores que é derrubar sua autoridade como apóstolo. Por isso Paulo:
·
Mostra que seu apostolado se apoia na mesma base que os
apóstolos anteriores a ele. Se os opositores iriam rejeitar sua autoridade,
deveria então rejeitar a dos outros apóstolos (Gl 2.9).
·
Parece-nos que os judaizantes diziam que Paulo era um
João-ninguém que apareceu depois dos apóstolos. Ele não foi um discípulo de
Jesus no seu ministério terrestre.
·
Diziam que, o que Paulo sabia sobre Jesus fora aprendido de
Pedro, Tiago e João e que estava subordinado a eles, o que seria então, uma
reinvindicação falsa da autoridade apostólica.
·
Acusavam-no de ser uma fraude. Sua mensagem da justificação
pela fé, separadamente das obras, seria igualmente fraudulenta.
Essa é a razão pela qual o apóstolo expõe a origem de seu apostolado aos
irmãos da Galácia (CBP 1140). É certo que “O argumento principal de Paulo é que
o homem é justificado mediante a graça pela fé, com base na promessa e não na
lei” (Beacon, 20). Outra preocupação de Paulo é mostrar que “o evangelho gira
em torno de uma Pessoa – Jesus Cristo, o Filho de Deus. Essa pessoa pagou um preço – entregou-se para
morrer na cruz” (é por isso que nesta epístola a cruz é um tema importante;
2.19-21; 3.1,13; 4.5; 5.11,24; 6.12-14).
No v. 2 Paulo reage à
intenção dos judaizantes de marginalizá-lo, ele diz que não se encontrava
sozinho nessa defesa, mas que os irmãos que estava com ele compartilhava do
mesmo pensamento em favor do evangelho.
A saudação que Paulo faz
no v.3 era comum no mundo Romano, ele parece combinar as formas greco-romanas e
hebraicas de saudação. Os gregos e os romanos saudavam um ao outro com
“charein”. Isto significava algo como “saúde e que tudo lhe vá bem”. Paulo
pegou essas formas de saudação e as transformou em uma saudação repleta de
conteúdo cristão.
Na teologia paulina “graça” serve como um termo de
proteção cercando toda a bondade de Deus que é de modo preeminente visto na pessoa e obra
de Jesus Cristo. “Paz” vem do hebraico “Shalom” e designa o sentido de
bem-estar total que só pode vir de uma relação correta com Deus (CBP 1141).
A cruz e a ressurreição
são o tema primário de Paulo. A suficiência completa de Cristo seguramente é o
ponto crucial da questão nessa epístola (CBP 1141). No v.4 “Ao aceitar o fato
histórico da cruz, Paulo faz uma aplicação pessoal e prática – libertação
presente. A palavra LIVRAR (exaireo) sugere resgate de um estado de impotência.
Essa salvação não é a consequência universal e automática da cruz, mas é uma
pronta possibilidade (Beacon, 24).
Paulo se encontra
perplexo com a atitude dos crentes da Galácia em abandonar (metatithemi= essa
palavra foi usada no grego clássico para descrever tanto uma mudança de visões
políticas, quanto abandonar um oficial comandante em batalha) por decisão
própria o evangelho de maneira tão rápida. O tempo do verbo aqui indica que
eles estavam no processo de abandono e o apóstolo acredita que é possível
trazê-los de volta ao Evangelho, isto porque, aquilo que os judaizantes estavam
ensinando não era o Evangelho, isso está claro pela palavra que Paulo usa
“heteros” (1.6) outro de tipo diferente, ao contrário de “allos” outro do mesmo
tipo (1.7). O que acontecia é que alguns estavam agitando os Gálatas
(tarasso=agitar, perturbar, e desestabilizar) ao fazer isso eles queriam
“arruinar=metastrepho” o evangelho. Eles
estavam conscientemente distorcendo a mensagem e transformando-a em um sistema
de justificação pelas obras. Podemos perceber a intensidade do espírito de
Paulo (1.8,9) ao tratar essa questão aqui no v.8 ele vai usar uma expressão que
os gramáticos chamam de “condição negada” ou “condição contrária ao fato” para
de um modo hipotético exortar os Gálatas a considerarem as possibilidades: Se
alguém viesse pregar outra mensagem contrária aquela que já fora pregada,
aquela pessoa deveria ser condenada ao inferno. A palavra usada aqui “anathema”
é a palavra usada ao longo da tradução grega (LXX ou Septuaginta) para traduzir
“herem” uma palavra hebraica que se refere a alguém ou a algo que deveria ser
destruído por Deus (CBP 1143).
Nos vs 9,10 Paulo
reafirma em tom categórico o que já havia dito no v.8 e confronta os gálatas
com uma pergunta retórica, isso ele o faz porque estava sendo acusado de
afrouxar o evangelho, segundo seus opositores ele estava abandonando a Lei para
agradar os gentios (Beacon 26; CBP1144; Wiersbe 892; SCB 53).
1. O argumento autobiográfico do apóstolo (1.11 a 2.14)
O propósito desta seção é
validar mais adiante o evangelho que ele (Paulo) pregava. Nos vs 11 e 12 Paulo
deixa claro duas coisas: A primeira é que ao chama-los de irmãos demonstra que
a possibilidade de mudança de atitude ainda era possível por parte daqueles que
estavam enredando por outros caminhos. Segundo, é que demonstra que seu
evangelho foi recebido diretamente de Jesus por revelação direta e especial. Paulo
reivindica uma revelação especial e pessoal dada por Deus através de Jesus
Cristo (Beacon,28 ).Quando no versículo 12 ele diz que “não o recebi” ele usa
uma palavra “paralambano” da tradição oral judaica, ela descrevia “transmissão
da tradição religiosa” (CBP 1145). Para demonstrar que o evangelho pregado por
ele era verdadeiro ele usa retratos de seu passado (Wierbe 893): O perseguidor
extremamente zeloso das tradições de seus pais (v.13). Para Paulo (que era
Saulo) Jesus era um impostor e todos que o seguiam deveriam ser mortos, com
essa ideia em mente ele perseguia e assolava a igreja de Deus (At 9.1;22.4;ITm
1.13). De uma carreira bem- sucedida no judaísmo ele se torna um pregador do
evangelho (v.14,15) e isso ele atribui à presciência de Deus que o separou e o chamou
pela sua graça (SCB 54) e devido ao zelo que tinha, somente a revelação de
Jesus Cristo fora capaz de produzir uma transformação radical. Quando chega no 15 e 16 Paulo parece falar da
sua experiência no caminho de Damasco e demonstrar através disso que Jesus
Cristo é tanto a fonte como o conteúdo de seu evangelho (At 9. 1-16; 22.1-16;
26.9-18). No v.17 temos uma dificuldade quando comparamos o relato de Paulo com
o de Lucas em At 9. 8-20, em Gálatas ele afirma que foi para a Arábia
(refere-se a Nabatéria, região ao redor de Damasco, na Síria. Keener 527), porém, no relato de Lucas é afirmado
que foi levado direto para Damasco. Alguns estudiosos têm afirmado que o termo
“Arábia” aqui está no sentido mais amplo do que apenas o deserto do Sinai e
poderia se referir ao reino dos nabateanos, sendo Damasco a principal cidade
(CBP 1148). Se está ideia estiver correta o texto de 2Co 11.32-33 vem confirmar
que logo depois de sua conversão Paulo começou a evangelizar por todo o reino
da Arábia. Nos vs 18 a 24 Paulo explica sua independência em relação aos
apóstolos em Jerusalém, isso pelo fato que os adversários aqui reivindicavam
sua ligação com os apóstolos de Jerusalém, Paulo então vai demonstrar que o
conteúdo do seu evangelho não dependia da igreja mãe e dos apóstolos. O seu
contato com alguns em Jerusalém foi rápido (18) com Pedro durante quinze dias e
afirma ter visto Tiago que ele inclui no grupo de apóstolos, em seguida foi
para as regiões da Síria e Cilícia, o que é confirmado pelo relato de Atos
9.26-30. O v.22 parece contradizer o relato de Atos que apresenta Paulo como
perseguidor da igreja, se ele perseguia a igreja, como ela não o conhecia? Para
alguns estudiosos com a morte de Estevão os cristãos haviam saído de Jerusalém
e poucos haviam retornado, por isso não o conhecia ou pode ser que não o
conheciam pessoalmente (CBP 1150) ou ele pode ter simplesmente coordenado a
perseguição. Vemos algo interessante em
1.23 e 24, se usa o termo “fé” (pistin) representando o evangelho, isso
demonstra a centralização da fé na igreja primitiva. Não encontramos relatos de
que a igreja questionou o ensino de Paulo, isso porque entenderam que o que ele
ensinava se conformava com aquilo em que criam. O apóstolo com muita sabedoria
procura mostrar que é independente, mas não um dissidente e que embora não
precisa da afirmação dos apóstolos, mesmo assim fora aceito por eles.
Agora no capitulo 2 vemos Paulo apresentar um outro fato que contribui
para seu argumento, a sua visita a Jerusalém. Ele começa como fez nos vs. 18,21
do capítulo 1, introduzindo com “então” (2.1), o que ele está fazendo é narrar
fatos cronológicos que são importantes aos argumentos. Nesse relato ele informa
que estava acompanhado de Barnabé e Tito. A figura de Tito é importante aqui
porque no desenvolvimento ele será apresentado na parte do argumento (v3). Qual
visita seria essa que Paulo faz a Jerusalém? Não sabemos ao certo, no entanto,
é afirmado que ela pode ter sido a de Atos 11. 27-30 chamada de “visita da
escassez”, descartando desse modo a ocasião de Atos 15 “o concílio de
Jerusalém”. (CBP 1155; Beacon 34; A mensagem de Gálatas John Stott, 22 ). Paulo
demonstra nesse capítulo que seu Evangelho é precisamente o mesmo dos outros
apóstolos. A presença de Tito na viagem parece ser um teste àquilo que Paulo
pregava, por um lado estava Barnabé (Judeu) e por outro Tito (Grego), a
conclusão dessa reunião particular em Jerusalém é que “a liberdade em Cristo”
prevalecera (v.3), seu companheiro grego não fora pressionado pelos apóstolos a
ser circuncidado, essa era claramente uma vitória do evangelho que Paulo
pregava, já que o objetivo daqueles “pseudoadelfouz “ =falsos irmãos (2.4)
era manter os Gálatas escravos da Lei, no entanto, a verdade do evangelho
permaneceu. Paulo não fez concessões ao tratar assuntos fundamentais da fé
cristã (2.5). (CNT Craig Keener 525; Chanplim Vol 4 456; Wiersbe5,899) Parece-nos do v.6 que a relação dos apóstolos
com o Jesus histórico é irrelevante para Paulo, é claro que precisamos colocar
as palavras de Paulo dentro deste contexto da carta. Não havia uma rivalidade
de Paulo com os apóstolos, embora os judaizantes esperassem que isso
acontecesse. [...] nada acrescentaram” pode estar ligado aos esforços dos
judaizantes de acrescentar a “circuncisão” e as “formalidades da Lei” ao
evangelho. Vemos dos vs 7 ao 10 Paulo relatando o que ficou resolvido na
reunião particular, eles reconheceram o seu ministério entre os gentios, assim
como, o de Pedro entre os judeus. A mesma energia (energhsaz energeo=atividade dinâmica) de Deus (da mesma palavra
de I Co 12. 6) estava sobre Paulo e Pedro. Temos o ponto central desta passagem
aqui no v.9, quando os apóstolos dão a destra de comunhão e apertam as mãos,
isso tinha um significado (e ainda tem) muito importante no mundo antigo;
significa que ambas as partes não tinham armas escondidas e que aceitavam
unidade e paz/ acordo/comunhão. Apenas uma ressalva fora feita “que nos
lembrássemos dos pobres” (v.10).
Como afirma John Stott (A
Mensgem de Gálatas, p.27) estamos diante de “um dos episódios mais tensos e
dramáticos do Novo Testamento”. O que vemos nesses versículos 11 a 14 não é uma
briga política, mas uma luta por convicções, nem uma lição de conflitos, mas
sim de princípios. Este episódio se dá em Antioquia da Siria, Pedro se tornara
repreensível ou no texto original “condenado” Kataginosko = condenar; fazer
acusação contra alguém, isso porque sua atitude estava contra a verdade
evangélica da liberdade cristã. A situação era a seguinte: Antes de os da parte
de Tiago chegarem, Pedro comia com os gentios, mas quando essa comitiva chegou
ele se afastou. Porque isso aconteceu? Primeiro. Pedro temia esse grupo que
chegara da parte de Tiago. Não sabemos ao certo, mas é provável que eles
falavam usando a autoridade de uma das colunas da igreja que era Tiago sem o
seu consentimento, isso porque essa atitude vai contra o que a igreja em
Jerusalém havia estabelecido. É impressionante ver que após a sua revelação do
lençol e sua experiência na casa de Cornélio em Atos 10 e 11 Pedro se deixou
levar por esse grupo. É certo que não foi por causa de princípios e sim por
medo (13). Segundo, pelo fato de os da circuncisão dissimularem com ele a ponto
de até Barnabé se deixar levar por essa dissimulação, “a palavra grega para
dissimulação é ‘hipocrisia’, que significa ‘fazer fita’. Eles fingiram. A
questão ficou tão séria que Paulo se viu na necessidade de fazer a repreensão
em público, isso porque até Barnabé se deixou levar por estes cristãos de
mensagem farisaica. Quando Paulo percebe a falta de sinceridade e que a verdade
do evangelho está em jogo, imediatamente ele posiciona-se e repreende a Cefas
diante de todos. Pedro não estava andando conforme a verdade do evangelho,
parece se desviar para a religião legalista e cerimonial do judaísmo (14). A
atitude de Pedro teve o efeito prático de obrigar os gentios a viverem como
judeus – sob a Lei.
2. O argumento Teológico (2.15 – 4.11)
(CBP,1159;
Champlim vol4, 461; Gálatas Stott, 29; Beacon, 38; Wiersbe 904)
A parti desse texto do
v.15 vemos Paulo mudar seu argumento de forma sútil, das implicações teológicas
de suas experiências no Senhor para os princípios teológicos que se aplicam a
todas as pessoas, sejam judeus ou gentios. A ideia desse primeiro verso nessa
seção (15) é que os judeus nasceram em uma rica herança religiosa e tiveram
todos os privilégios da aliança, os gentios não desfrutavam de nenhum destes
privilégios e consequentemente as próprias circunstâncias de seu nascimento os
constituíram “pecadores” aos olhos dos judeus. A partir dessa constatação,
Paulo estabelece a sua tese “o homem não
é justificado pelas obras da Lei, mas pela Fé em Jesus Cristo”. Vamos
avaliar essa primeira parte da tese de Paulo. O que será que Paulo está
querendo dizer com a expressão “obras da Lei”? Aqui significa “obras humanas”
(Beacon,38); “denotam esforços para se chegar a um determinado alvo mediante
conformidade a um padrão” (SCB, p.105); “uma maneira de observar a Lei”
(FFBruce/CBP, p.1160); “se referem somente àqueles aspectos da lei que
promoviam nacionalismo e distinção étnica judaicas” (Dunn/CBP, p.1160). Veja
que no v.19 Paulo vai dizer que morreu para a Lei, ele não usa a expressão
“obras da lei” e em 3.13 que a obra redentora de Cristo nos livra da “maldição
da Lei”. É preciso dizer aqui em consonância com outras passagens das cartas de
Paulo que não existe por parte do apóstolo uma depreciação da Lei, como se ela
não prestasse. Em Romanos mesmo ele vai dizer que a Lei é justa, santa e boa
porque ela reflete o caráter essencial de seu criador e aqui mesmo em Gálatas
ele afirma que o conteúdo moral da Lei se resumi em um mandamento: Amar ao
próximo como a si mesmo (Gl 5.14). Então, podemos afirmar que a crítica de
Paulo aos Gálatas era que eles estavam olhando para Lei e se apegando aos cerimoniais
e observâncias, acreditando que seus esforços os justificaria diante de Deus. Em
relação a “fé” ela está em contraste com a “lei”, então a expressão “mediante
fé de (em) Jesus Cristo” não seria a fé possuída por Jesus Cristo e sim a fé
centralizada em Jesus Cristo, somos salvos por colocar a confiança na pessoa e
na obra de Jesus Cristo (16). Nos vs 17 a 21 Paulo volta da exposição para a
argumentação: Agora (17) ele parece responder a algumas questões que foram
levantadas pelos judaizantes: a ideia era que o evangelho que Paulo pregava
dava liberdade para se pecar, a justificação mediante a fé em Cristo somente à
parte das obras, enfraquecia o senso de responsabilidade moral do homem, a isso
Paulo responde enfaticamente “certo que não= no genoito” (um dos poucos usos do
optativo ‘modo verbal: que expressa desejo, opção’ nas páginas do N.T / Chaplim
vol 4, p. 463). Segundo alguns comentaristas essa expressão fora de Paulo (GL
3.21; 6.14; Rm 3. 4,6,31; 6.2,15; 7.7,13; I Co 6.15) só é encontrada uma vez em
Lc 20.16 (Beacon). Paulo usa o modelo de argumentação utilizado pelos falsos
mestres (18) e usa falar na primeira pessoa, demonstrando que colocar a Lei
como meio de Salvação é construir aquilo que já havia sido destruído e se assim
o fizesse seria um transgressor. A palavra “eu” (19) é enfática, Paulo queria
que todos soubessem seu sentimento em relação a essa questão. No seu entender a
própria Lei demonstrara a sua ineficácia em relação a salvação, ela só
demonstrava que ele era um transgressor, o que o levou a morrer para a lei, ou
seja, deixar de obedecer a lei como meio que nos assegura a boa vontade divina
(Champlim, p. 464), agora ele podia viver para Deus, isso é, ele podia viver
santamente para Deus na esperança da vida eterna. Paulo não era mais a força
motriz em sua vida; é Cristo, que vive nele (CBP, 1162), ele agora pode
desfrutar da vida ressurreta através do Espírito (Rm 6.3-5; 8.23). Ao invés das
exigências pesadas e impiedosas da Lei, Cristo o amou e se entregou por ele,
Cristo toma o açoite da lei por nós e torna possível uma vida espiritual
verdadeira. Se a salvação pudesse vir de outra forma, Cristo não teria morrido
(21), os judeus acreditavam que haviam sido escolhidos para serem salvos em
Abraão; quando o apóstolo Paulo insiste que a justificação só vem através de
Cristo, Ele coloca judeus e gentios na mesma situação (Keener, p. 529).
(C. Esperança, 61;
Keener, 529; Stott, 35 ) O Estilo que Paulo adota a partir desse capítulo (3) e
que vai até 4.31 é conhecido como Diatribe= um estilo dinâmico geralmente
caracterizado por interlocutores imaginários, questões retóricas e intensos
debates. A visão da cruz estava obscurecida pela heresia pregada pelos falsos
mestres “Cristo mais a lei”, Paulo então precisa se utilizar de argumentos que
demonstram a ineficiência da lei na Salvação: A pergunta retórica do apóstolo é
no sentido de trazer à memória dos Gálatas o que havia acontecido neles e com
eles sem a necessidade da interferência da lei, eles haviam recebido o Espírito
pela Fé, no entanto, não estavam conseguindo enxergar isso, porque se
encontravam “enfeitiçados”=O termo traduzido por “enfeitiçado” refere-se ao
impacto maligno das feitiçarias ou ao “mau-olhado”, um olhar invejoso de efeito
mágico (Keener, 530). É nos afirmado também que “baskaino” no N.T é usada
somente nessa passagem e originalmente significa “lançar um feitiço sobre
alguém por meio de um olhar maligno (CBP, 1164), é provável que Paulo está
usando essa palavra em seu sentido figurado. Paulo lembra-os o conteúdo da
mensagem que foi exposta a eles “Cristo crucificado”, essa mensagem tem um
poder de crítica à lei (C.Esperança, 65); a mensagem da Cruz foi corajosamente
escrita diante deles. A pergunta do v.2 já tem uma resposta que tanto Paulo
quanto eles sabiam, o que novamente se espera com essa pergunta retórica é lembra-los
que não dependeram da Lei para a mudança de vida que ocorreu neles, ela
aconteceu através da pregação da fé em Jesus Cristo. A pergunta do v.3 é uma
resposta a da pergunta do v.2, nela Paulo afirma que eles começaram em Espírito
e que agora estavam querendo se tornar completo em Cristo pela observância da
lei. Isso seria uma contradição “insensatos”, são dois modos de vida totalmente
diferentes de viver. Depender da fé é viver no Espírito, mas depender das obras
da lei é andar na carne. Paulo então, pergunta-lhes se sofreram tanto por nada
(4); a palavra “Pascho” pode significar tanto “sofrer quanto experimentar” se
ficarmos com a segunda opção, podemos dizer que Paulo estava falando que eles
haviam experimentado tantas coisas no Espírito e agora estavam mudando para a
lei, o que significaria negar qualquer benefício que recebera no Espírito, caso
desejamos entender que eles sofreram por sua fé, é provável que isso se deu
devido ao escândalo da cruz (4.29; At 14.22; I Co 1.22,23). A resposta de Paulo
ao final do v.4 é para alguns um fio de esperança, esses defendem que ele está
dizendo: “Vocês podem ver que não foi inútil”, a experiência deles no Espírito
pode de fato não ter sido em vão; ou também demonstra a frustração do apóstolo
diante da situação, ele não quer acreditar que seus apelos foram lançados ao
vento (C.Esperança, 67; CBP 1165). Paulo os faz perceber o trabalho dinâmico do
Espírito, as formas dos verbos são todas no presente, indicando a contínua
concessão do Espírito e a operação de milagres; como no início, os Gálatas
estão sendo revestidos com o poder do alto (5; 1.7) e podem experimentar a
energia de Deus através de milagres: "Energon“ comunica a ideía de forte
liberação de energia e “dunameis” milagres= reflete a ideia de poder dinâmico.
Nos vs seguintes (6-9)
Paulo vai demonstrar através do exemplo de Abraão o sinal autenticador da
aliança: receber o Espírito pela fé. Paulo corrige o modo de pensar da tradição
judaica nesse aspecto; demonstrando que Abraão foi justificado não com base em
sua devoção à Lei, mas por causa de sua fé (C. Esperança, p.70/Gálatas). Como
treinado na arte da argumentação, Paulo dá um golpe nos judaístas, eles
provavelmente se referiam à Moisés em suas afirmações sobre a obrigação da
guarda da lei, o apóstolo volta um pouco atrás para demonstrar que quando não
havia lei, o evangelho foi apresentado ao patriarca Abraão, assim como foi
apresentado aos Gálatas. O contexto de Abraão era o seguinte: Deus lhe havia
feito uma promessa, lhe daria um filho, entretanto as circunstâncias não eram
favoráveis, nem a ele e nem a Sara (Gn 15.6), mesmo assim Ele creu “e isso lhe
foi creditado como justiça” (6). Ao lembrar isso aos Gálatas, Paulo lembra-lhes
também quem são os filhos de Abraão: são aqueles que como ele “crê”. Essa ideia
da justificação Paulo vai mostrar que não é algo novo, Deus já havia planejado
justificar os gentios pela fé e que seria apresentado a Abraão; ele ouviu algo
que se estendeu até o evangelho futuro, é nesse sentido que ele recebeu um
pré-evangelho. Uma promessa de evangelho futuro (C.Esperança, 71). No texto citado por Paulo (Gn 12.3; 18.18) no
final do v.8 Deus diz a Abraão que por meio dele as nações seriam abençoadas. O
termo usado que traduzimos como “nações e povos” é Eqnh=gentios. Que bênçãos
seriam essas que os povos iriam receber? São o Espírito e a Justificação (3.14).
Todo aquele que compartilha dessa fé que teve Abraão se coloca como parte dessa
comunidade salva pela Graça. Apoiar na prática da Lei é estar debaixo de maldição
(10) e Paulo responde sua afirmação com o texto do A.T de Dt 27.26, como ele
está usando a Septuaginta (LXX), diferente do texto hebraico os termos “todos
aqueles” e “em todas essas palavras” estão intensificados, veja o texto
hebraico como fica: “Maldito é aquele
que não observa as palavras dessa lei
para praticá-las". A lei só exige, ela não pode dar, por isso não podemos
fazer dela a base eterna de nossa existência, quem assim o faz está debaixo de
maldição. Diante desse quadro, Paulo chega à conclusão de que ninguém é justiçado
pela Lei, para reforçar seu argumento ele usa o texto do A.T em HC 2.4, aqui (v.11)
Paulo mostra que ser fiel a Deus em Cristo levará à justiça ou à justificação,
ao interpretar o texto da LXX o apóstolo esclarece que aquele que recebe o dom
da justiça pela fé não estará mais sujeito ao julgamento de Deus (CBP,1168). Citando
mais uma vez a escritura (Lv 18.5) Paulo demonstra a natureza distinta da Lei
(v.12), ela sempre exige mais. Os vs. 13 e 14 parecem resumir o que Paulo disse
nessa seção toda, que Cristo nos concedeu a libertação, o termo “resgatar” no
v.13 significa “comprar um escravo com o propósito de libertá-lo” (Wiersbe,
vol5, 912; C.Esperança, 77; Keener, 531; CBP, 1169), fomos libertos da maldição
da Lei e que maldição era essa? Isso está baseado em Dt 21.23 que Paulo cita
aqui. Os criminosos judeus não eram crucificados, eles eram apedrejados, mas em
casos de transgressões vergonhosas da Lei eles eram pendurados em uma árvore e
exposto publicamente, isso no conceito Judeu era uma grande humilhação, porque
os judeus tratavam o corpo de uma pessoa falecida com todo o respeito. Depois
de exposto, o corpo era removido e sepultado. Tanto judeus como cristãos
relacionaram essa passagem (Dt 21.23) à crucificação de Jesus, embora se
tratava da determinação de suspender o corpo inerte de uma pessoa executada (p.
ex. por apedrejamento) numa árvore. Observe que o termo “cruz” (staurós) quanto
“xýlon” (poste, tronco, madeiro) At 5.30; 10.39; 13.29; I Pe 2.24 no caso de
Cristo, Ele foi pregado vivo e morreu e ao fazê-lo ele tomou sobre si a
maldição da Lei que recairia sobre nós. Isso que foi feito é para que em Cristo
a benção de Abraão (o Espírito e a Justificação) chegassem também aos gentios
mediante a fé (14).
(C.
Esperança, 78; Keener,533; CBP 1169; Wiersbe, vol5, p. 915; Beacon, 90)
Na seção dos vs 15-20
temos o argumento de Paulo extraído da esfera humana, essa ideia de “falo como a homem” expressa isso. O
exemplo usado trata-se da figura jurídica de um Testamento (documento legal que
deveria ser aberto depois da morte de alguém). Para o Judaísmo, a aliança enfatizada era a do
Sinai, no entanto, a maioria dos escritores judeus considerava que esta mesma
aliança já fora prenunciada em Abraão (Gn 17. 9-14). Paulo afirma que Cristo é
o verdadeiro descendente da promessa, o termo “descendente” é usado no grego
como semente, tanto aqui no v.16 como também nos versículos 19 e 29. No
judaísmo “semente de Abraão” quase sempre designava a “Israel”, porém, aqui no
argumento de Paulo (3.6-9) ele inclui os cristãos gentios. A aliança feita
quatrocentos e trinta anos antes da Lei não pode quebrar ou anular a promessa
de Deus (v.17) ( A contagem de tempo aqui (430 anos) é feita a partir da
tradução da Septuaginta em Ex 12.40 quando Deus abençoa a Abraão até a entrega
da Lei no Monte Sinai). Segundo o discurso dos judaizantes, a Lei havia
alterado essa promessa da aliança. Paulo então, argumenta ao contrário. Paulo
então, faz uma pergunta retórica: Então, por que é que foi dada a Lei? Ela foi
dada por causa da transgressão e duraria até Cristo. Aqui Paulo faz questão de
mostrar que a Lei é inferior à promessa, primeiro por que ela tem um tempo de
duração, segundo porque ela precisou de intermediários: anjos e Moisés, já no
caso da promessa, não houve a necessidade de intermediários, Deus o fez
pessoalmente, sem qualquer mediador. Temos
nos vs seguintes a argumentação antecipada de Paulo de uma questão que poderia
surgir de seus adversários; Se a lei é contrária a promessa, então, o problema
está em Deus, Ele deve ter errado, Paulo antecipa essa argumentação de seus
opositores e mais uma vez coloca uma pergunta retórica: Será que isso quer dizer
que a lei é contra as promessas de Deus? Claro que não! Essa resposta de Paulo
vai ser explicada (24) com a figura do pedagogo, antes, porém, Paulo deixa
ciente que a lei não pode dar vida (21), ela revela o pecado, mas não é a
solução. Paulo deixa claro a sua função, ela nos conduz a Cristo, é o exemplo
do paidagogos que ele tira da cultura grega, aqui no v.24 ele usa o substantivo
“paidagogos” indicando o serviço tutorial daquele escravo que tinha a função de
levar e trazer em segurança a criança até/da escola e certificar que ela
aprendeu as lições que lhe foram transmitidas exercitando-a sobre o que foi
aprendido (CBP 1173). Sendo assim, tendo chegado o tempo da fé, não precisamos
mais da lei para tomar conta de nós (25). Paulo agora chega ao caráter
inclusivo do evangelho, todos somos filhos de Deus mediante a fé em Cristo
Jesus, fomos identificados com Cristo no batismo, em Cristo fomos batizados e
portanto, todas as barreiras (étnicas, sociais, sexuais...) foram quebradas (28)
e também fomos revestidos de Cristo, ou seja, estamos completamente envoltos na
presença de Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10), o que implica que assumimos uma
identidade completamente nova, estamos cobertos pela infinita justiça de Cristo
(Rm 5.17,18; I Co 1.30; Ef 6.14). No v. 29 Paulo dá um golpe certeiro nos
judaizantes, ele inverte a ordem dos argumentos deles, precisamos ser de Cristo
para sermos descendência de Abraão e herdeiros da promessa.
Agora no cap 4 Paulo vai
usar uma figura no campo da família, ele fala sobre servo, filho e adoção,
crianças, escravo, curador e tutor, o seu objetivo aqui é mostrar a
superioridade do Evangelho em relação à Lei. (cbp 1180; Wiersbe, 922). Esses
termos tirados da vida doméstica tem a finalidade de ajudar na compreensão
daquilo que tanto o Evangelho quanto a lei faz. Podemos entender que Paulo está
demonstrando a liberdade e maturidade do evangelho, nos termos herdeiros,
filhos e adoção (4.1-7) ao mesmo tempo que mostra a escravidão e imaturidade
daqueles que estão ainda sob a Lei com os termos crianças, escravo, curador e
tutor. A palavra usada para criança (4.1) é “népios=menor” a fase da infância á
pré-adolescência, indicando que é um menor intelectual e moralmente imaturo. O
outro termo “epitropos=tutores” (4.2) se refere àquele que supervisiona ou toma
conta de um órfão ou menor de idade e enfim, temos o termo “oikonomos” (4.2)
que significa “administradores domésticos (Beacon, p.91). No v.3 o apóstolo
aplica o que acabou de falar nos vs anteriores e se inclui com eles usando o “nós”
que na verdade parece indicar que tais experiências de infância é comum a
todos, o que nos mantinha sobre limites. Mas Paulo demonstra que isso chegou ao
fim com a “plenitude dos tempos”= uma expressão usada para indicar que quando
as coisas estavam de acordo com o plano de Deus, ele então, enviou (indica
comissionamento e não distância ou espaço) seu Filho, vindo de mulher,
enfatizando seu nascimento natural e virginal, o que demonstra tanto sua pré-existência
quanto sua encarnação (Jo 1.14; Fp 2.5-11); ele veio sob a tutela da lei, para
que resgatasse os que sob ela estavam e recebessem a adoção( huiothesia=
colocar como filho) de filhos, ou seja, os direitos plenos de um filho/herdeiro.
Com essa argumentação Paulo consegue tratar um dos problemas detectados na
carta, a separação de judeus e gentios, isso é resolvido pela adoção, os
gentios que não eram filhos agora se tornam e é lhes dado todo o direito de receberem
a herança do povo da aliança de Deus (v.6,7). Para que fosse completamente
validada essa adoção, Deus enviou o seu Espírito Santo e é ele quem testemunha
na família de Deus clamando “Aba Pai” um termo comum usado pelos filhos para se
referir aos seus pais e que expressa amor familiar e descreve um relacionamento
íntimo e amoroso entre pai e filho. Paulo
lembra-os da regressão que estão cometendo (8-11), quando não conheciam a Deus,
eles eram escravos daqueles que por natureza não são deuses, no entanto, a vida
havia mudado, eles conheciam a Deus, é bom lembrar aqui nesse ponto que
“conhecer” no sentido judaico pressupõe relacionamento/ ou experimentar algo e
não somente um processo mental ou aquisição de fatos (CBP 1178; Wiersb, p. 921).
Eles estavam voltando aos rudimentos fracos e sem poder de observância de “dias
especiais meses, ocasiões específicas e anos” acreditando que isso tornaria sua
salvação completa, isso contrariava todo o ensinamento de Paulo a eles (11). Agora
Paulo (12-20) como um pai espiritual lembra-os do amor mútuo deles, em algum
momento eles sacrificariam a vida em favor do apóstolo, mas quando os
judaizantes entraram em cena eles se tornaram inimigos de Paulo. Essa estadia
de Paulo se deu devido a uma doença que o mesmo enfrentou e que não é relatada
aqui, seu destino provável era Éfeso mas por conta da enfermidade que o atacou
precisou aguardar na Galácia até a primavera e depois partir, parece ser nessas
cirscunstãncias que Paulo evangelizou aquela cidade, o que diferencia um pouco
do método em que ele começava nas sinagogas, aqui parece iniciar em uma casa
qualquer que não sabemos qual é (C. Esp. p.104). No entanto, a situação havia
mudado (15), eles não tinham mais aquela exultação do início, haviam
transformado a alegria em ganidos furiosos e dentes arreganhados. No v.16 Paulo
faz uma pergunta retórica demonstrando sua firmeza diante dos gálatas e judaizantes,
o que podemos perceber nos textos de 2.5,14; 5.7; o que ele está dizendo é que
eles o viam como inimigo por ser verdadeiro em suas afirmações. Ele expõe a tática
dos judaístas: eles desejavam afastar os irmãos e assim isolar o apóstolo e
conseguir o controle da igreja através dos agrados (17). O v.18 revela a
instabilidade da igreja sem a presença do apóstolo. Novamente, o apóstolo usa
uma linguagem amorosa para se dirigir àqueles que ele considerava seus filhos e
expressa seu sofrimento a fim de que Cristo fosse formado neles. No v. 20
podemos perceber a frustração do apóstolo por não poder estar presente, ele se
encontrava a 400Km de distância e por algum motivo não podia ir até os gálatas.
Reconhece a dificuldades de ter que tratar um problema como esse por carta, o
que seria muito mais eficaz caso estivesse presente. Termina o v. 20
demonstrando seu esgotamento.
(CBE, 110; Keener, 536; CBP,
1181; Wiersbe, 923). Paulo ainda tem argumentos para confrontar os judaizantes
e agora ele faz através de uma analogia bíblica. A alegoria (uma narrativa com
significado subjacente mais profundo) que Paulo faz está atrelada às
escrituras, não é algo simplesmente criado da sua mente, como por exemplo fazia
Fílon em suas alegorias; Paulo quer mostrar a incompatibilidade entre a carne e
o Espírito, entre ser filho da escrava e ser filho da livre. Se eles prestassem
atenção e ouvissem a lei, iria ter esse discernimento de Paulo. Veja a pergunta
do Apóstolo “acaso não ouvis a Lei?” (21). É claro que Abraão teve mais filhos,
porém, o que importa para Paulo é Ismael e Isaac, porque eles possuem verdades
espirituais que são importantes serem aprendidas. Um nasceu segundo a carne, ou
seja, fora dos planos e propósitos de Deus para Abraão, o outro, segundo a
promessa feita ao patriarca (23). Agora Paulo se volta para as mulheres (24) e
traz o significado da alegoria: escravidão e liberdade: Agar representa o monte
Sinai onde se recebeu a Lei e representa a cidade atual de Jerusalém que estava
sobre a escravidão da Lei. Mas existe a Jerusalém lá de cima, Paulo talvez
esteja reforçando a esperança da nova Jerusalém encontrada no Antigo Testamento
referindo-se à Jerusalém celestial que desceria até a terra (Keener, 538). Depois
de associar Is 54.1 com Gên 21.2 mostrando que o trabalho de parto de Sara
representa o parto de seus descendentes, após o sofrimento do cativo, dando à
luz a Israel e Jerusalém restaurado; ele vai afirmar que os Gálatas são filhos
da promessa, como Isaque. Não se pode ser livre e escravo, nascer segundo a
carne e viver no Espírito, a vida segundo a carne é mandada embora quando se
nasce do Espírito (29). Paulo retorna a confrontá-los novamente relembrando o
que diz a Escritura: é preciso lançar fora a vida segundo a Lei, porque com ela
não se pode ser herdeiro como filho da livre. Ele concluí seu argumento
afirmando ser eles filhos da livre.
Paulo começa afirmando no
cap 5 aquilo que ele demonstrou em alegoria aos Gálatas “Para a liberdade foi
que Cristo nos libertou”. Vejamos que ele procura usar o “vós” se incluindo e
demonstrando que embora toda a controvérsia eles estão ligados pelos laços do
evangelho. Em seguida, lhes faz uma advertência para que ficassem firmes e não
se deixasse submeter, de novo, a jugo de escravidão (1), ou seja, deveriam
viver à altura de filhos da livre, conforme a alegoria de 4.21-31. A palavra
“steke”=permanecei firmes, vem da linguagem militar e significa “assumir o
posto de alguém e não permitir que o inimigo invadisse” (CBP. 1184), seria como
não ceder à tática dos judaizantes. Veja que neste v.2 ele usa sua autoridade
para falar e deixar claro aos gálatas que perderiam os benefícios da expiação
caso deixassem-se circuncidar. Ele insiste em mostrar que ao circuncidarem
deveriam guardar toda a Lei, o problema de Paulo não é o ato, mas, sim o
sistema legal representado pela circuncisão que ele considera inaceitável e o
legalismo que pode trazer à salvação. A relação com Cristo fora quebrada quando
eles decidiram procurar justificação na lei, aconteceu ali o fim de uma relação
com alguém ou algo, é o que indica o verbo (katarGeo), o mesmo verbo usado em
Rm 7.1-6. Se eles abraçarem a Lei ao invés de Cristo (4b), estarão cortados do
fluxo vivificante da graça de Deus ( a palavra
ekipipto= caído, era frequentemente usado para descrever flores
definhando de seus talos , depois de terem murchado e morrido. Seria essa a
situação dos crentes em Gálatas. Paulo então, revela no v.5 uma outra
característica dos irmãos em gálatas “a sua impaciência”. Demonstra que através
do Espírito somos capacitados para experimentar a justiça e justificação que se
tornará plena na volta de Cristo. É somente nessa parte da carta que a palavra
“esperança e aguardar” aparecem, aqui a “esperança” é articulada como realidade
futura, a fim de assegurar vitória na posição tomada na atualidade (CBE, p.115).
Paulo demonstra que as duas condições (circuncisos e incircuncisos) não são
coisa alguma, não possuem importância para a salvação (o rito faz parte daquelas
coisas que na perspectiva espiritual podem ser deixadas como estão). A fé que “atua
pelo amor” está em contraste com a religiosidade dos crentes gálatas; a
realização da fé interior através do amor é que importa e não os sinais externos
de religiosidade (CBP, p.1186). O termo “energéo” em uma de suas formas e que é
colocado aqui pode ser traçado até o substantivo “enérgeia” que reencontramos
em nossa palavra “energia” e significa “força eficaz”. O crente então, é um
“feixe de energia”, ele está cheio de energia que ama, que tenta se expandir
(CBE, p.115). O amor que é mencionado aqui, vai ser trabalhado melhor a partir
do v.14, por hora, podemos dizer que a fé não pode ser sem o Espírito por isso
ela não permanece sem obras e sem amar. Paulo se volta ao desempenho deles e a
causa que os fizeram regredir. Note que o tempo imperfeito da palavra “correndo”
revela que eles haviam continuado pelo caminho correto por algum tempo. Agora,
no entanto, haviam sido prejudicados nessa “corrida”, eles foram impedidos, a
palavra usada “enekopsen” se refere nesse contexto a uma infração nos esportes-
um corredor prejudicando o outro, impedindo de terminar a corrida (CBP, p.1187/
Bruce, 1982,234). Essa atitude tomada pelos inimigos do evangelho (judaizantes
) não vem de Deus, a “persuasão” aqui é o falso evangelho de 1.6,7, que diz não
ser necessário abandonar a Jesus, só precisam adicionar a lei (8). Com o uso de
um provérbio conhecido que tem nele princípios bíblicos Paulo alerta os irmãos
do perigo desse ensino (9), do efeito negativo de uma incontrolável malignidade
espiritual. O “efeito” apodrecedor de uma pequena quantidade de levedura
permite que corrompa uma grande porção de massa. Agora, (10) o apóstolo parece expressar uma
confiança de que a decisão correta será tomara pelos gálatas e a pessoa (isso
parece ser alguém em específico) que os perturba, sofrerá a condenação, indicando
o julgamento no juízo final em que não haverá acepção de pessoas. A pergunta
retórica de Paulo (11) é para chamar a atenção dos irmãos a respeito do que ele
pregava, na verdade, ele havia se recusado a pregar o judaísmo como caminho
para a salvação e isso ainda estava lhe causando perseguição, inclusive na
Galácia, por parte desses adversários de Paulo. Eles diziam que Paulo pregava a
circuncisão mas que havia proibido os gálatas de serem circuncidados, ele era
então um hipócrita, essa era a imagem que seus oponentes queria passar do
apóstolo. Ele então vai aos extremos em sua afirmação, esses deveriam se
mutilar (12), uma prática proibida no A.T e no judaísmo, Paulo pode estar se
referindo a seita de Cibele que praticava a castração de seus sacerdotes (uma
seita originária da Frígia e que provavelmente os gálatas conheciam). As consequências do legalismo podiam ser
vistas na igreja da Galácia observando as orientações de Paulo como as
apresentadas aqui nos vs 13-18: Neles o apóstolo mostra que a liberdade para a
qual eles foram chamados não dá legalidade à carne, pelo contrário, lhes dá a
oportunidade de servir ao próximo pelo amor. Não deviam usar sua liberdade em
Cristo como uma base de lançamento para a natureza pecaminosa (“a carne” sarx);
é isso que o termo “aphorme= ter indungência”(subst.. ponto de partida ou uma
base de operação) pode significar. O
amor divino habilitado pelo Espírito é a única regra ou lei que os Gálatas
devem seguir (CBP, p. 1189). Agora Paulo faz uma citação de Lev 19.18 cf Rm
13.9, lembrando também que Jesus fez (Mt 22: 36-40) a mesma citação, isso
demonstra que essa atitude de amor não é desenvolvida por cerimônias e rituais
mais é um aspecto do fruto do Espírito. Embora a obra salvadora de Deus tenha
dado um golpe na carne (Rm 6.1-6), Paulo demonstra que um crente pode estar na
carne (1Co 3.1-3) o que parece, estava acontecendo com alguns do gálatas (5.15).
A expressão usada “mordeis e devorais” retrata a selvageria de uma briga de
cães que termina na destruição de todos envolvidos. Ele não só detecta o
problema, mas, mostra como devem fazer para escapar dessa luta carnal: Eles
deviam “andar em Espírito” (16) ou seja, eles deviam caminhar em Espírito; essa
expressão em Paulo descreve todo o modo de viver (Ef 2.10; 5.2,8; Cl 2.6; I Ts
2.12; 4.1), o controle de cada aspecto da vida pelo Espírito Santo. Se o
espírito for o princípio que dirige as suas vidas, os gálatas, não cumprirão a
“concupiscência da carne”. Paulo mostra que as direções são diferentes (17)
eles se opõem um ao outro, essa luta só pode ser vencida através do poder do
Espírito (CBP, p. 1191). A vida no Espírito é diferente da vida sob a lei (18).
A lei só pode mostrar a transgressão e condená-la, a carne e a lei podem gerar
o pecado (19), elas juntas ministram opressão e escravidão mas, somente o Espírito pode ministrar
liberdade e poder. Vejamos agora Paulo fazendo o contraste entre as obras da
natureza pecaminosa com o fruto do Espírito (5.19-23) (CBP 1192; Wiersbe 934; CBE
126; Keener 540). Pa ra começar esse assunto Paulo faz uma lista das obras da
carne e do fruto do Espírito, isso era costume entre os escritores antigos,
eles faziam listas de vícios e atitudes condenáveis, os moralistas antigos
também tinham suas listas de virtudes, podemos encontrar no A.T o Salmo 15 como
exemplo. Em sua lista o apóstolo cita diretamente quinze “obras da carne” e nove “fruto do Espírito”. Podemos entender
através da ilustração de Paulo o conflito que acontece naqueles que são salvos,
é importante que se lembre que a pessoa não salva não experimenta essa batalha,
pois não tem o Espírito Santo (Rm 8.9) e que também a solução para aqueles que
enfrentam não é lutar contra a carne, mas se entregar à vontade do Espírito
Santo. Não temos condições de lutar contra esses desejos e inclinações se não
estivermos capacitados pelo poder do Espírito (veja o conflito do apóstolo Rm
7.15,19). Podemos fazer uma divisão nessa lista de Paulo sobre as obras da
carne:
·
Os primeiros três termos fazem parte da área da sexualidade deturbada:
Prostituição. (porneia) todo tipo de
impropriedade sexual.
Impureza (moral/ akatharsia Mc 7.
1-5; At 10.14,28). Uma imundícia da mente e do coração que contamina a pessoa.
A pessoa contaminada vê impureza em tudo (Tt 1.15). Tem sempre um conteúdo
ético ou moral normalmente relacionado à perversão sexual (Rm 1.24; 6,19; Ef
4.19).
Lascívia/Devassidão
(Aselgeia). Um apetite libertino e desavergonhado. “Luxúria desinibida que não tem
absolutamente nenhuma consideração para com Deus, para com o próprio ser e para
com os outro” (Bruce, 1982. 247/ CBP, 1192).
·
Os pecados supersticiosos:
Idolatria. É o ato de criar “deus”
na própria imagem da humanidade ( Ex 20.4; Lv 26.1); significa também colocar
qualquer outra coisa antes de Deus, “é o desejo carnal de controlar o
sobrenatural para satisfazer as luxúrias da natureza pecaminosa” (CBP, 1192).
Feitiçarias ( pharmakeia que
significa “uso de fármacos). No tempo de Paulo era comum os mágicos usarem
fármacos para provocar efeitos nocivos. Certas drogas eram usadas em bruxarias
e algumas práticas ocultas durante a adoração de ídolos. A bíblia proíbe a magia,
bem como todas as práticas de ocultismo (Dt 18. 9-22).
·
Os pecados sociais
O ódio, a discórdia, o ciúmes e os acessos de ira são manifestações da
natureza pecaminosa nas relações sociais: Ódio= está no plural indicando a
expressão contínua de um espírito hostil. Discórdia= Derivada da deusa grega
Eris (que inspirava a guerra) rivalidades. Ciúme (zelos)= ciúme invejoso que
abomina o sucesso dos outros. Iras= São acessos de raiva. Discórdias= ambições
interesseiras e egoístas que criam divisões na igreja “descreve alguém que
tenha um espírito mercenário” (Bruce, 1982, 249/ Cbp 1192). Dissensões e
facções são termos análogos. O primeiro sugere divisão e o segundo, rompimentos
causados por um espírito partidário. São resultantes de líderes da igreja que
promovem a si mesmos e que insistem que as pessoas os sigam em lugar de
seguirem ao Senhor. Invejas(phthonos- essa palavra tem sempre um significado
maligno) = indicam rancores e o desejo profundo de ter aquilo que outros têm
(Pv 14.30), e uma atitude de espírito mesquinho, que se ressente do sucesso dos
outros. A palavra está no plural e indica um ciúme contínuo em uma variedade de
circunstâncias.
Embriaguez e orgias refletem o estilo de
vida hedonista tão prevalecente na cultura pagã.
Paulo conclui a sua lista
com “e coisas semelhantes a estas..”. As
pessoas que praticam esses pecados não herdarão o reino de Deus. Paulo não fala
de um ato pecaminoso, mas sim do hábito de pecar, essas obras são antitéticas
aos princípios do reino. Agora ele vai
demonstra que o fruto do Espírito tem uma variedade de expressões. É bom
observarmos que o termo “fruto” (karpos) está no singular e mostra a unidade
essencial do fruto do Espírito, aquele que é guiado pelo Espírito, conforme
Paulo já vem mostrando, deve demonstrar todas as características do Espírito, não
apenas algumas. Paulo usa o termo “fruto” em contraste com “obra” e isso é
importante para nós aqui: O fruto é consequência daquilo que somos ou passamos
a ser, vivemos a vida no Espírito Santo, fomos transformados em nova criatura
(2Co 5.17) e agora produzimos aquilo que somos. O fruto nos traz a ideia de
beleza, tranquilidade e desenvolvimento da vida (Wiersbe, 936-938). Os
estudiosos da bíblia têm insistido num “ternário triplo nessa seção dos frutos
(CBE, 127; Stott, 70; Wiersbe, 937; SCB, 176), temos então:
O tríplice desdobramento
do próprio amor: amor, alegria e paz (aspectos da vida cristã que diz respeito
ao nosso relacionamento com Deus).
O tríplice desdobramento
em relação ao próximo: longanimidade, benignidade e bondade (aspectos da vida
cristã que dizem respeito aos outros).
O tríplice desdobramento
da conduta pessoal: fidelidade, mansidão, domínio próprio (dizem respeito ao
ser interior).
Paulo inicia a sua lista
com o fruto: Amor “ágape”= essa palavra sempre se refere ao amor divino. Ele
começa com esse fruto porque, para Paulo toda a lei é cumprida em amor (5.14) e
também pelo fato que, todos os outros frutos decorrem dele. Esse amor só é desenvolvido
se formos capacitados pelo Espírito e quando isso acontece sempre seremos
levados a buscar o bem-estar dos outros (I Co 13). Esse amor segundo Rom 5.5 é
derramado em nosso coração pelo Espírito Santo e segundo Fp 1.9 devemos não só
cultivá-lo mas orar pedindo que aumente. A alegria (chara) é aquela confiança
festiva de que seu destino está em Deus. Essa experiência de alegria conduz à
paz (eirene) essa paz parece ser uma possessão interna que traz consigo a
serenidade mental. É a paz com Deus e que vem de Deus ( Rm 5.1; 15. 13,31) e
que excede todo entendimento humano (Fp 4.7).
As três características
do fruto que estão relacionadas ao relacionamento humano: Algumas versões usam
Paciência (NTLH/makrothumia) que traz a idéia do poder de recuperação do Espírito
de se recuperar quando é atacado. Paulo usa esse termo em Rom 9.22 para mostrar
como Deus suportou os vasos de ira. Outras versões (ARA) utilizam Longanimidade
(hypomone) “resistir sob uma carga pesada; essa palavra contém a ideia de
perseverança. Benignidade/ Generosidade (chrestotes), brandura, amor que
compadece, “aquela sensibilidade para a estrutura mental, espiritual e
emocional dos outros, uma qualidade que pode discernir o “limite de carga” de
um indivíduo (Sl 103.14)” (CBP, 1193). A bondade ( agathosyne) é aquele
compromisso firme para o benefício dos outros. Alguns afirmam que é o “amor em
ação.
Agora chegamos às três características
relacionadas ao indivíduo em si: Fidelidade (pistis) normalmente traduzida como
fé, aqui denota o oposto de cinismo, visto que, segundo Burton “ser a fé uma exigência básica na abordagem
a Deus feita pelo homem, este último tipo de fé não pode ser considerado parte
do fruto do Espírito da mesma maneira que as demais virtudes mencionadas. Daí a
tradução “fidelidade” aqui, seja no sentido de fidelidade a padrões da verdade
ou no sentido de fidedignidade no trato com outras pessoas” (CBP 1194). Mansidão
(prautes/brandura na KJV) é o oposto da atitude arrogante; o uso correto de
poder e autoridade. Para o comentário da SCB mansidão aqui não deve ser definida
como uma qualidade natural, ela é uma disposição de submeter-se à vontade de
Deus. Já o comentário CBP vai dizer que “A mansidão é o oposto de um espírito
precipitado e teimoso que frequentemente é rude com os sentimentos dos outros
(p.1194). Domínio próprio (egkrateia) esse substantivo nesse contexto parece
nos mostrar que na vida dirigida pelo Espírito o “eu” deve manter-se eu seu
lugar adequado. O autocontrole aqui seria então uma avaliação real da função do
nosso ego. O Espírito reproduz em nós o conceito equilibrado do “eu”.
Paulo se volta ao tema da
lei (23) para resumir seu pensamento que demonstrou que lei e Espírito estão em
duas categorias diferentes, há um caminho alternativo, o fruto do Espírito.
Paulo se volta para uma experiência de morte que aconteceu com os gálatas (24)
e com todos os cristãos “eles crucificaram a carne com suas paixões e
concupiscências”. Esse verbo grego está no aoristo, demonstrando que isso é
algo que nós fizemos no momento da conversão. Nossa atitude no dia a dia é
deixar ela lá para morrer, não devemos nos afastar da cruz, ela nos lembra que
morremos com Cristo. Deve-nos lembrar também que Ele morreu por nós para
remover o castigo do pecado, mas nós morremos com Ele para remover o poder do
pecado (Wiersbe, 936). Em Rom 13.14 Paulo diz “Nada disponhais para a carne”; o
que significa não alimenta-la com o que lhe dá prazer. A verdadeira santidade
não leva ao legalismo porque ela é forjada pelo Espírito de santidade (Rom 1.4).
Essa santidade é um estilo de vida que é governada pelas ordens do Espírito de
Deus (5.16,18). Só para lembrar, a palavra “andar” (stoichomen) é derivada de
“stoichos”, que significa uma “fila” ou uma “fileira”. John Stott nos lembra
que “há uma diferença clara entre ser “guiado pelo Espírito” e “andar pelo
Espírito”, pois aquela expressão está na voz passiva e esta, na ativa. É o
Espírito que guia, mas quem anda somos nós” (p. 72). Esse é o caminho para
evitar o narcisismo, uma vida cheia do Espírito (26).
Nessa nova seção de
Gálatas (5.26 a 6.5), podemos perceber que o apóstolo descreve os resultados práticos
dessa vitória. Ela é demonstrada em nossos relacionamentos pessoais, especialmente
com companheiros crentes na congregação. O apóstolo usa um exemplo aqui para
demonstrar o tipo de abordagem que aqueles que são “espirituais” devem ter: Se
uma pessoa for surpreendida em alguma transgressão ela deve ser restaurada com
espírito de mansidão (6.1). Veja que o cristão guiado pelo Espírito irá abordar
a situação com um espírito de mansidão e de amor. É claro que podemos pensar
naquela atmosfera de legalismo que havia na igreja da Galácia e que Paulo tinha
em mente. Existe um contraste aqui entre o cristão guiado pelo Espírito e o
legalista que irá demonstrar uma atitude de orgulho e de condenação, ele faz
isso porque pensa que jamais será capaz de cometer tal pecado, no entanto, o
cristão que vive pela graça sabe que ninguém está livre de cair “Aquele, pois,
que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10:12). O cristão guiado pelo Espírito
carrega consigo uma atitude de humildade que é decorrente da consciência das
próprias fraquezas (Wiersbe, 940). Esse cristão guiado pelo Espírito também
entende a sua responsabilidade para com seu irmão no que diz respeito a
carregar a carga de seu próximo (2). Para Keener (p. 542) “levar os fardos neste
contexto, deveria incluir ajudar o irmão a lidar com o pecado”. A Lei de Cristo
à que Paulo se refere provavelmente não seja os seus ensinos aqui em Gálatas,
mas se refira principalmente ao seu exemplo e caráter. É possível também que
Paulo esteja lançando um olhar sobre os judaizantes quando fala de carregar os
fardos uns dos outros, no sentido dos fardos da lei, isso porque algumas
exigências da lei eram chamadas de fardo (Lc 11.46; At 15. 10,28), nesse
sentido o que o apóstolo talvez esteja dizendo é que ao invés de estar impondo
fardos sobre os outros eles deveriam antes, carregar os fardos uns dos outros
(Stott, 75). O v.3 parece demonstrar que se não nos dispomos a carregar o fardo
do próximo é porque nos achamos superiores e não queremos nos rebaixar o
suficiente. O princípio de auto-exame volta aqui nos vs 3,4 como aconteceu no
v.1, o cristão maduro deve procurar fazer uma introspeção pessoal, testar seu
próprio trabalho. A palavra “dokimazo” está relacionada ao teste de moedas
através do fogo de um purificador (Cbp 1195/ Guthrie, 1973, 144). Devemos
procurar expor nosso serviço ao ministério purificador do Senhor (I Co 3.13-15;
Tg 1.2-4; I Ped 1.7). Veja que o v. 5 nos mostra a utilidade dos vs que
acabamos de analisar, sendo que essa análise que fazemos de nós mesmos é
necessária porque ao final “cada qual levará a sua própria carga”. Antes que
pensemos que o presente vs está em contradição ao v.2 é importante que se diga
que são palavras diferentes. A palavra grega para carga é barros (2) que
significa um peso ou fardo pesado “pressões diárias não solicitadas”. Já
phortion se refere a um pacote ou uma carga pesada que é deliberadamente levada
(CBP, 1196/ Burton, 1956,334), são obrigações que cada um de nós escolhe
assumir. Cada crente é obrigado por cumprir tais obrigações e por suportar tais
pressões da vida cotidiana (CBP, 1196 Kuck, 1994, 289-297). Agora Paulo
introduz um novo assunto nos vers 6-10, ele vai demonstrar que a vida de fé
está sujeita a “leis espirituais”, temos aqui o princípio da reciprocidade
“Tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (6.7), aqui ele faz uso da
linguagem agrícola e segue até o versículo 10. O que está apresentado aqui é um
princípio de ordem e coerência que se acha inscrito em toda vida, material e
moral (7). Para se esperar uma colheita boa é necessário a semente adequada,
boa e ser semeada com abundância, se assim se fizer poderá esperar uma boa
colheita. Esse mesmo princípio opera na esfera moral e espiritual. Estamos em
um campo (8) em que devemos semear, o que vamos semear pode gerar morte ou vida
eterna, como sabemos que a “carne” é a nossa natureza caída”, com suas paixões
e concupiscências” (5.24) e que se manifesta nas “obras da carne” devemos
então, procurar semear no Espírito, pois é assim que colheremos vida e paz (Rom
8.6). Paulo, embora pareça mudar de assunto, da santidade pessoal para a prática
do bem, ele ainda se encontra no assunto da semeadura e colheita e aqui ele
demonstra aquilo que encontramos em suas cartas, que o trabalho pode ser
cansativo e exigente e com isso podemos ser tentados a desanimar, no entanto,
existe um incentivo “em tempo pois próprio, colheremos” (9), para que isso
aconteça, precisamos ir até o fim, o que vamos colher Paulo não relata aqui,
podemos apenas inferir, Jesus por exemplo, chamou de semeadura e colheita
quando levamos um pecador ao arrependimento e a salvação (Mt 9.37; Jo 4.35-38).
Sendo assim, Paulo nos incentiva a aproveitar as oportunidades para fazer o bem
a todos, principalmente aos da família da fé (10).
Estamos agora no final
dessa carta e Paulo busca chamar a atenção dos seus leitores para a importância
do que escreveu. As “letras grandes” segundo alguns estudiosos, seria o mesmo
que sublinhar ou usar o negrito em nosso contexto quando queremos enfatizar
alguma informação que estamos escrevendo
(existem outras interpretações, porém essa foi a que considerarei mais
plausível). Alguns afirmam que Paulo dá seu sinal de autenticidade na carta
pois temia que os judaizantes adulterassem a mesma e espalhassem falsas
doutrinas (1). Agora ele volta a atacar os judaizantes lembrando os irmãos que
estes evitam a perseguição procurando ao não pregar a suficiência exclusiva da
Cruz de Cristo. Estão preocupados com uma marca exterior que não tem relação
com a vida no Espírito, são egocêntricos e não buscam o bem-estar espiritual
dos gálatas, querem apenas se gloriar neles (13), mas, Paulo, mostra onde ele
pode se gloriar, “senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (14), ele afirma
que foi crucificado (o tempo do verbo reflete uma ação definitiva no passado) com
Cristo no passado, mas os efeitos dessa crucificação se definem em sua
existência no presente, se considerando morto para o mundo ( Rm 6.2,8; 2 Co
5.14). O que vale para Paulo é a transformação espiritual que afete todos os aspectos
da vida de alguém e não um procedimento
físico (circuncisão/ Rom 8;12). O mais importante é que sejamos uma nova
criatura, nascidos do Espírito (2 Co 5.17; Ef 4.24). Para encerrar, Paulo redigi
a benção aos irmãos com uma pitada de disparada contra seus adversários
(16-18). A paz e a misericórdia é para aqueles que aceitam nascer de novo pelo
Espírito e até para o Israel de Deus se eles aceitarem (16). As marcas de seu
corpo eram as marcas de Jesus, para Paulo isso era suficiente para ninguém criar
dificuldade para ele, isso era uma demonstração clara que ele era escravo de
Jesus; a palavra “Stigmata=marcas” se referia a uma tatuagem ou marca que
identificava um escravo como pertencendo a um mestre em particular. Essas
marcas eram resultados das perseguições que sofria na pregação do evangelho
como as relatadas em Atos 14.19,20; 16.23; 2 Co 11.23-29). Alguns comentaristas
veem em sua saudação aquele toque de afeto pessoal, se comparada, por ex, a Rom
16.1-16, e afirmam que era devido a tensão entre o apóstolo e os gálatas. Seja
o que for, podemos concluir que ele os considerava irmãos, apesar de todas as
dificuldades e confusões (31/07/2018).
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